Por Thiago de Sousa Barros
Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Ouro Preto
Um vírus assola a população do planeta e a economia global sente os reflexos dessa pandemia alarmante. Neste contexto, três aspectos devem ser considerados quando fazemos o rápido exercício de analisar os impactos econômicos e sociais no enfrentamento à Covid-19: a velocidade para adotar medidas restritivas, a capacidade política e de gestão do setor público, a gravidade da recessão e o momento de retomada da atividade econômica.
Num primeiro plano, nota-se que a celeridade na execução de ações pontuais é determinante para enfrentar a crise em curso, especialmente no que tange a tarefa de mitigar os efeitos catastróficos que derivam dela. Miremos, a título de exemplificação, os Estados Unidos – que aderiram ao “lockdown” somente no dia 01/03/2020 e haviam registrado, até dia 03/05/2020, 65.307 mortes. Conforme o estudo intitulado “Differential Effects of Intervention Timing on COVID-19 Spread in the United States” e conduzido por Sen Pei, Sasikiran Kandula e Jeffrey Shaman, trio de pesquisadores da Columbia University, se o isolamento entrasse em vigor uma semana antes a estimativa de óbitos seria de 29.410; enquanto se tal medida fosse antecipada em duas semanas as mortes se limitariam a 11.253 indivíduos, o que já seria um absurdo. Portanto, se a ação fosse antecipada em quatorze dias, 54.054 vidas teriam sido poupadas. Fica a pergunta: Quanto vale a vida?
No Brasil não foi diferente, fronteiras demoraram a serem fechadas, bem como as limitações de voos provenientes do exterior instauradas; a compra de equipamentos médicos e construção de hospitais de campanha também não estavam afinadas com a urgência que a causa exigia; o confinamento não veio a tempo e a hora. Esta letargia configura um quadro assustador: no momento em que escrevo são 1.228.114 casos confirmados e 54.971 mortes. Não era mera gripezinha, disso temos certeza. Como agentes econômicos fazem escolhas intertemporais e elas incorrem custos distintos, a implementação de medidas eficazes no momento adequado é fulcral neste cenário turbulento.
Por outro lado, deter boa capacidade de gestão e habilidade política é essencial para ter êxito em períodos de crise como o atual, uma espécie de “tempestade perfeita” que abarca instabilidades concomitantes na economia, na política e na saúde. As agruras brasileiras contam com ingredientes que amplificam o desastre: um presidente populista que responde de forma contraditória à pandemia; três ministros da saúde num curto hiato temporal, cada qual com sua própria maneira de conduzir o enfrentamento da pandemia à frente da pasta; compras de materiais médicos e equipamentos hospitalares sob investigação por suspeitas de superfaturamento e corrupção; antagonismo explícito entre presidente, governadores e prefeitos, uma flagrante falta de harmonia nas estratégias de ação e notória ausência de comando no processo de tomada de decisão; além de discussões acaloradas e não consensuais no Congresso Nacional no tocante ao valor e a duração dos estímulos públicos.
Não por menos, analistas internacionais afirmam que o país ruma para um precipício sem precedentes. Em direção contrária países como a Nova Zelândia, guardadas as devidas diferenças, instituiu isolamento rígido, coordenou esforços e a maioria das empresas permaneceram fechadas por sete semanas. Dia 09/06 deste ano a nação declarou estar livre do coronavírus e as severas restrições foram abortadas.
O somatório desses fatos e eventos desemboca numa séria recessão econômica. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima uma retração do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, para 2020, na ordem de 9,1%, enquanto o Banco Mundial projeta um encolhimento de 8,0% na atividade econômica. Considerando esta última e mais conservadora previsão, já teríamos a maior queda em 120 anos, período para o qual o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dispõe de dados acerca do PIB nacional.
Desde janeiro, o real foi a moeda que mais desvalorizou no mundo, uma queda de 45% em relação ao dólar, o CDS (Credit Default Swap) – importante indicador de risco país – aumentou mais de 250%, a fuga de investimentos estrangeiros diretos foi a maior desde 1995, não ultrapassando somente a Índia na alçada mundial, em consonância o último relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF).
"Nesse mar de dificuldades surge um alento: voltamos a discutir a importância de um programa de renda básica permanente e, como mostra o fio condutor da história, nas grandes crises brotam novas oportunidades".
Lançando luz ao agregado internacional, os efeitos sobre a produção, o emprego e a renda são estrondosos, e o Banco Mundial projeta no relatório “Global Economic Prospects” que a economia global deve encolher 5,2% em 2020, a recessão mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial. A expectativa de queda na renda per capita global para o ano é de 3,6%, o que lançaria milhões de pessoas à situação de pobreza extrema.
Quanto à retomada pairam dúvidas no ar no que compete o tamanho do tombo, bem como em relação a velocidade da recuperação diante das incertezas que imperam, em especial as indefinições sobre o tempo para termos uma vacina em escala global e as especificidades de cada país, caso da crise política brasileira. Crises recentes nos ensinaram que podemos ter uma recuperação em W, em detrimento da clássica recuperação em V, pois uma segunda onda do coronavírus pode voltar à tona nos países. A volatilidade voraz como produto da incerteza pode ser captada na Bolsa de Valores (B3), tendo em vista as bruscas oscilações nos preços dos papéis, num “zigue-zague” frenético ao longo do pregão.
A doença e as medidas de isolamento social causam choques de oferta e demanda, falências em massa, destruição de empregos e perda de salários, uma combinação trágica. Em face deste quadro geral, Paulo Guedes busca apoio no Congresso para retomar a agenda reformista, o que poderia dar novo fôlego neste momento de retomada, enquanto o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, na última reunião do mês, reduzir a taxa básica de juros (Selic) para 2,25%. Esta é a oitava queda seguida e representa uma nova mínima histórica, havendo espaço para outras reduções nas próximas reuniões, dado o ambiente de inflação baixa em voga. Taxas de juros civilizadas são essenciais para atrair o investimento e evitar que a recessão transmute em depressão, estágio ainda pior e mantido no radar.
Nesse mar de dificuldades surge um alento: voltamos a discutir a importância de um programa de renda básica permanente e, como mostra o fio condutor da história, nas grandes crises brotam novas oportunidades. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos no país da jabuticaba, aqui nesses trópicos utópicos.