Por Antonio Marcelo Jackson
Doutor em Ciência Política
Professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto
Para cada eleição que ocorre no Brasil existem inúmeras justificativas para que cada pessoa pouco se importe com o que vai acontecer. Seja por bradar que não possui interesse na política, seja por afirmar que nenhum político presta, o fato é que a cada vez em que as pessoas são convocadas para registrar seu voto numa urna eletrônica, todas as desculpas e argumentos aparecem para que a opinião individual não deva ser registrada, ainda que de maneira anônima.
Uma das falas mais comuns é a ausência de tempo para se verificar se este ou aquele candidato vale a pena, se é honesto, se suas opiniões se aproximam das do votante, entre tantas outras coisas. O curioso, nesse caso, é entender a expressão “ausência de tempo”, visto que, segundo o levantamento publicado pela Agência Brasil, em janeiro de 2020, o brasileiro passa em média cerca de 3 horas e 40 minutos por dia conectado à internet, sendo classificado em terceiro lugar no mundo, ou seja, apenas a China e Indonésia superam nosso país quando o assunto é estar preso a um celular, computador ou tablet, acessando a rede mundial de computadores.
Dito de forma distinta, quando observamos essa primeira informação, percebe-se o mais completo desinteresse do brasileiro pela política, pois não se trata de uma falta de tempo (este há de sobra), mas sim, de se gastar o tempo com qualquer outra coisa que não sejam prefeitos, vereadores, governadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores e presidente da República, sem esquecermos dos Tribunais de Justiça estaduais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), que nos últimos anos produziram decisões que interferem diretamente nos demais Poderes de Estado. Pior ainda quando tratamos das administrações cotidianas de todos os anteriormente citados: aí poucos são aqueles que acompanham e, menos ainda, tentam entender o funcionamento e os interesses em jogo nas decisões tomadas ou votações apresentadas.
Aliás, de uma forma geral, com as exceções de sempre, há uma enorme confusão até mesmo quanto às funções que este ou aquele cargo político deve exercer. Lembro-me perfeitamente de um candidato a vereador na cidade em que eu residia, ter realizado sua campanha afirmando que, se eleito, daria mais valor ao Corpo de Bombeiros – e no meu estado natal, os bombeiros são de exclusiva responsabilidade do governo estadual, ou seja, esse candidato sequer tinha ideia do que poderia fazer.
O problema é que o desconhecimento, seja da função que se pretende exercer, seja sobre em quem votar, tem um custo, e esse custo é bem alto. Os estudos sobre a política sabem perfeitamente, desde a década de 1950, que a maior parte dos eleitores, na hora do voto realiza suas escolhas a partir dos mais variados critérios que, necessariamente, não são políticos. Escolhe-se este(a) ou aquele(a) candidato(a) porque é bonito(a), porque tem amizade com ele ou com alguém próximo, porque tem a mesma profissão, porque não gosta do outro e assim escolhendo um opositor à altura conseguiria impedir a vitória do(a) inimigo(a), enfim, tantas opções de um leque quase infinito e excluindo somente um único item: a opção ideológica. A isso a teoria política chama de “irracionalidade do voto”. Contudo, como a vida política continua independentemente dos nossos gostos pessoais, a maior parte dos eleitores no mundo deixa para o dia-a-dia as cobranças, dúvidas e críticas que, em tese, deveriam aparecer na hora da escolha. Em outras palavras, ele apresenta a “fatura” de seu voto na eleição ao longo de todo o mandato.
No caso brasileiro tudo se desenrola às avessas. Primeiro, como nas demais sociedades do mundo, as escolhas na hora do voto se desenvolvem de maneira irracional, com pouquíssimo ou nenhum escopo ideológico; contudo, passada a eleição, o distanciamento do eleitor no Brasil em relação ao universo da política continua indefinidamente, fazendo com que a nossa sociedade seja, provavelmente, o único caso no mundo em que se vota de qualquer maneira e não se cobra absolutamente nada por isso: todos arcam com esses custos sem problema algum. Vota-se de maneira irracional naquele que aumentará os impostos, poderá autorizar o desvio do recurso de uma área fundamental para outra completamente irrisória, poderá isentar os impostos de uma empresa sem qualquer contrapartida. A generosidade brasileira parece não ter fim quanto às escolhas políticas!
Um dos casos mais interessantes é o da abstenção. Todos sabem que faltar no dia da eleição significará o pagamento de uma multa que custa R$ 3,50 (três reais e cinquenta centavos), sob pena de não poder se inscrever em concurso público, solicitar um passaporte, entre outras coisas. Porém, esse valor, sejamos francos, é irrisório e praticamente todas as pessoas simplesmente pagam sem pestanejar. Porém, poucas pessoas se perguntam para onde vai esse dinheiro pago. A resposta é: os partidos políticos. Sim, quando não se vota com a justificativa de que nenhum político presta, que os partidos políticos são clubes de ladrões etc., o dinheiro pago com essa multa irá para esses partidos.
Para fins de registro, neste ano de 2020, a verba prevista para o Fundo Partidário (ou melhor, Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos) que recolhe seus recursos, dentre outros, da referida multa por não comparecer à Zona Eleitoral no dia da eleição, gira em torno de R$ 841 milhões de reais. Por outro lado, exclusivamente para financiar as campanhas eleitorais, há o Fundo Eleitoral (ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha), alimentado exclusivamente pelo Tesouro Nacional, ou seja, o dinheiro pago por todos pelos impostos, e que distribuirá entre os partidos e seus candidatos a bagatela de 2 bilhões de reais.
Vamos entender. Num ano como 2020, um ano eleitoral, os partidos políticos custam ao bolso de cada um de nós o “trocado” de quase três bilhões de reais, e simplesmente uma parcela significativa dos eleitores pouco se importará em votar em algum candidato; sequer pesquisará o nome de alguém que se assemelhe a seus ideais, ou seja, de acordo com seu entendimento, ser o melhor para o município. No ano de 2016 no primeiro turno das eleições em Belo Horizonte, cerca de 417 mil pessoas não compareceram, 215 mil anularam o voto e 108 mil votaram em branco – e isso para prefeito. O resultado final é que esse número de abstenções, brancos e nulos foi maior que a soma dos dois candidatos que foram ao segundo turno, João Leite e Alexandre Kalil. Em outras palavras, naquele ano quase quarenta por cento dos belo-horizontinos se recusaram e escolher alguém que administraria a cidade nos 4 anos seguintes. Em Mariana-MG, 26,4% preferiram perder o voto e em Ouro Preto-MG, 29,46% lavaram as mãos quanto ao futuro administrativo da cidade.
Com tudo isso, pergunta-se: será que esse eleitor que gasta em torno de 3 horas e 40 minutos todos os dias na Internet realmente não tem tempo de procurar algum candidato que valha a pena? Ou então, será que o brasileiro é tão endinheirado que não se importa em ver três bilhões de reais reunidos a partir dos impostos e das multas eleitorais serem utilizados de qualquer maneira por qualquer pessoa?